Há sete meses, Anderson Lopes Miranda, de 33 anos, vivia com as duas filhas – de 1 e 3 anos - e a mãe das meninas em um albergue para famílias na capital paulista. Sobrevivia de recolher latinhas. Mas, como líder do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), já havia viajado a Brasília mais de 20 vezes e a países como Alemanha e Argentina. Isso para pedir, principalmente, o fim do assistencialismo e início das políticas públicas para os moradores de rua. “Chega de ser um problema só de assistência, queremos ser tratados como problema de saúde pública, educação, trabalho e habitação”, afirma.
Órfão de pai e mãe, Miranda viveu em orfanatos até os 14 anos quando saiu para morar em uma pensão e trabalhar como office boy. A primeira noite na rua aconteceu poucos meses depois, quando voltava de Atibaia, no interior de São Paulo, e o ônibus quebrou. “Estava na rodoviária do Tietê às 2h quando dois homens me assaltaram, levaram R$ 2 mil, roupas e tudo que eu tinha”, conta. Sem família e sem dinheiro, Miranda foi para a rua.
Miranda, hoje com casa e família, defende moradores de rua . Sozinho, aprendeu a “não dormir, só cochilar”. “É aquele medo à noite. Entrava em crise comigo. Se passava alguém perto, já levantava rápido”, afirma. No centro da cidade, debaixo de uma marquise no bairro da Barra Funda, conta presenciou a morte de um morador de rua por dever R$ 80 a outro. “Os dois brigaram e um meteu um paralelepípedo na cabeça do outro”, lembra.
Com medo, começou a “pegar o trecho” – gíria para andar de uma cidade a outra. Em uma de suas caminhadas, no ano de 2000, afirma que foi a pé de Minas Gerais até a Bahia. Quando chegou em Itabuna, no sul do Estado, foi atropelado por um caminhão. “Me levaram para o hospital, mas quando souberam que eu era indigente me jogaram uma tala e me deixaram na cama por três dias. Eu só recebia bolacha de água e sal e água”, diz ele, que afirma ter chegado a pesar 35 quilos.
De volta a São Paulo, já recuperado, Miranda iniciou a luta em defesa dos moradores de rua. Em 2004, após o assassinato de sete pessoas que dormiam na Praça da Sé, região central de São Paulo, foi organizado o primeiro Movimento Nacional dos Moradores de Rua.
Luta pelos moradores de rua
Em 2005, aconteceu o primeiro seminário da população de rua em Brasília, que reuniu diversos representantes da sociedade civil e do governo federal para discutir a questão. No ano seguinte, foi criado um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para elaborar uma Política Nacional para a População de Rua.
O segundo encontro nacional da população em situação de rua ocorreu em 19 de maio último, em Brasília. No evento, estiveram presentes cerca 170 moradores e ex-moradores de rua, além de ONGs e ministros.
"Não queremos guetos. Queremos conviver"
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), A Política Nacional passou por ajustes neste encontro. Quando o novo texto estiver pronto ele será encaminhado ao presidente Lula para que se torne um decreto.
A intenção, conforme o governo, é que os ministérios envolvidos no programa transformem as diretrizes da política em plano de trabalho.
Miranda afirma que a Política Nacional pede principalmente a inclusão do morador de rua nos programas já existentes. “Não queremos a criação de banheiros públicos só para moradores de rua. Não queremos gueto, queremos conviver”, explica.
"Não consigo sair da rua, se eu não ficar duas ou três noites dormindo na rua eu enlouqueço"
Entre as propostas, está a de que 5% das vagas de moradia da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) sejam destinadas à população de rua.
Vida nova com hábitos antigos
Com residência fixa e carteira assinada, Miranda, hoje, pode dizer que saiu da situação de rua. Vive as duas filhas e a mãe delas em um apartamento da CDHU na Cidade Tiradentes, no extremo leste da capital. Mesmo com a casa, ele diz que não perdeu alguns hábitos antigos. “Não consigo sair da rua, se eu não ficar duas ou três noites dormindo na rua eu enlouqueço”, afirma.
Outro costume que permanece é o de recolher latinhas. Com a diferença que hoje não as vende mais, só repassa para quem precisa. “Mesmo trabalhando eu cato latinha, se não fizer isso eu perco a minha raiz. Minha vida sempre foi essa, nunca depender só dos outros. É o que me sinto feliz”, diz.