sexta-feira, 12 de junho de 2009

Moradores de Rua fazem jornal em Salvador

Seu João, vendedor do Aurora
Moradores de rua escrevem e vendem seu próprio jornal em Salvador. Bimensal e com tiragem de 7.000 exemplares, o Aurora da Rua completa um ano de existência ajudando a gerar renda, tirar pessoas da rua e mudar a imagem de quem ainda está lá.

Terceira publicação feita por moradores de rua do país (primeira do norte-nordeste), o Aurora da Rua foi criado com a dupla função de projetar uma imagem mais humanizada das pessoas em situação de rua e ao mesmo tempo servir como fonte de renda.

- Precisamos mostrar que as pessoas que estão na rua por algum motivo têm um nome, têm uma identidade, têm uma história – diz Edcarlos Venâncio, voluntário da publicação.

Essa é a função do que a equipe do jornal chama de “profecia”: anunciar a boa notícia, mostrar o que há de belo naquelas pessoas.
Para garantir que o jornal seja, de fato, escrito por moradores, foi desenvolvida uma técnica específica. Em cada edição, é definido um tema do universo dos moradores de rua. A equipe de jornalistas voluntários vai às ruas e praças, estimulando os moradores a dar a sua opinião.
Quem não sabe escrever, colabora falando mesmo, para que os voluntários anotem e transcrevam “sendo extremamente fiéis ao que foi dito”, garante Edcarlos.

Ciclo gerador de renda

O ciclo de compra e venda do jornal é todo pensado de forma a garantir renda aos vendedores: do exemplar vendido a R$1,00, o morador de rua fica com 75 centavos.

Cada vendedor administra a quantidade de jornais que vai comercializar. Eles decidem quantos exemplares vão levar e pagam R$0,25 pela unidade. Ficam com todo o dinheiro da venda.

Os dez primeiros exemplares de cada vendedor são sempre fornecidos gratuitamente pelo próprio jornal. Além dos jornais, os vendedores também recebem bolsa, boné, crachá e colete para identificação.
Seu João Barbosa é um dos poucos vendedores com ponto fixo, em frente à Praça da Piedade, no centro de Salvador. Em fevereiro, vendeu 124 exemplares e lucrou R$93,00.

Os vendedores recebem orientações importantes para quem geralmente só se preocupa com as próximas 24 horas. Passam a saber, por exemplo, que quem vende 550 jornais no mês – ou 23 exemplares por dia de segunda a sábado – tira um salário mínimo. “É difícil, mas acontece”, diz Edcarlos Venâncio.

Esse sistema é interessante porque ensina, de forma prática, o morador de rua a ter uma gestão responsável do dinheiro que arrecada.

Todo o esforço do Aurora é que a venda dos jornais seja uma atividade digna e pedagógica, para quem vende e para quem compra.

Tanto que os próprios vendedores criaram um código de conduta e decidiram que, caso alguém pague a mais pelos jornais - “para ajudar” - a pessoa sempre vai receber o número de exemplares equivalente ao valor pago. O resultado volta como elogios ao profissionalismo e à cordialidade da equipe.

Trinta e cinco vendedores já passaram pelo jornal. Sete deles conseguiram alugar quartos e saíram da rua. Outros foram ajudados a tratar vícios. Alguns conseguiram até emprego fixo.

- Para nós não adianta que um vendedor vende 1000 jornais num mês se ele não consegue aprender a lidar bem com o dinheiro que ganha. A única orientação nossa é a formação humana – diz o voluntário Edcarlos.

Sustentabilidade

A equipe me explica que tamanha margem para os vendedores só é possível porque todas as atividades administrativas do jornal são desenvolvidas em sistema voluntário, por 18 pessoas que acompanham o periódico desde sua fundação.

A sede é cedida pela Comunidade da Trindade. A impressão e outras despesas do jornal são custeadas pela venda dos exemplares e pelas três faixas de assinaturas (duas delas contemplam a possibilidade de doações).

Na sede, há um mapa do Brasil com alfinetes nos estados em que chegam as assinaturas. “Só não estamos em três estados”, diz Edcarlos, orgulhoso. As assinaturas só não podem ser feitas em Salvador, para não prejudicar os vendedores e também para incentivar o contato direto deles com outras pessoas.

O Aurora da Rua completou um ano no último dia 24 de março. E comemorou a rigor: colocou um palco na Praça da Piedade, em Salvador - local onde o jornal foi lançado - e os artistas da rua apresentarm-se e fizeram a festa!

Veja aqui como foi a festa do primeiro ano do Aurora da Rua.

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